Um Cão no Meio do Caminho, Isabela Figueiredo (Caminho)
De Isabela Figueiredo li os dois livros anteriores, Caderno de Memórias Coloniais e a Gorda que apreciei muitíssimo. Surpreendeu-me o à vontade com que em ambos Isabela Figueiredo se expõe, porque é impossível não entender as protagonistas como alter egos da Autora. Li-os também como crónicas de época, até porque ao longo da leitura encontramos marcos que nos permitem ligar a períodos da nossa história coletiva e da nossa vida privada. Com uma escrita escorreita, rápida, que nos leva a acelerar a leitura.
Um Cão no Meio do Caminho prende-nos logo nas primeiras páginas: um homem e uma mulher, vizinhos, solitários, contam a vida um ao outro, sobretudo o que os conduziu à solidão, e nesse processo criam laços que vão terminar por os ligar. Contudo, ao contrário dos outros romances, não me identifiquei com as personagens, nem com as histórias de ambos que, confesso, me pareceram pouco consistentes. Há até algumas incoerências, como quando Beatriz, a vizinha, conta a José a história da morte de um antigo namorado, que perseguia e com quem estava na altura em que morreu, referindo que ninguém sabia do seu envolvimento («Um homem tinha morrido. Ninguém conhecia o contexto dessa morte. Só ela e, agora, eu.» pg. 31), contudo é conhecida pelos vizinhos como a Matadora. Lapso?
José, viveu a sua adolescência com a avó materna depois da morte da mãe, na sequência do divórcio, seguida pouco depois pela morte do pai. Apesar da ligação à avó, que muitos anos volvidos continua a enviar-lhe mensalmente dinheiro, não a visita.
E é a ligação entre os dois (“Precisamos de alguém com quem falar. Não interessa de quê. Precisamos de uma voz humana. Se calhar, a solidão não é tão natural como toda a vida pensei...” pág. 138) que permite que ambos resolvam os problemas que sentem e com que vivem. Um Cão no Meio do Caminho tem um final feliz, não o tradicional (casaram-se e foram felizes para sempre), mas um final feliz um pouco forçado. Como se a ligação que ambos desenvolvem, rompendo o isolamento em que vivem lhes tenha permitido desatar os nós das vidas de ambos e ainda resolver a situação em que vivia a avó de José. Depois há temas ou questões que são - parece-me - forçadamente introduzidos, como a questão da fruta feia logo no início ou a afirmação de José de que só compra roupa em segunda mão. Seria mais credível se dissesse que vestia o que as pessoas deitam fora.
Tem alguns momentos muito bonitos que não resisti a roubar:
«O Natal, para quem se tornou um estorvo, não passa de comida requentada à mesa do desamparo.» (pg. 70)
«Que o sangue ata as pessoas com grossas cordas velhas que resistem ao tempo e ao uso.» (pg 82)
Um romance fácil de ler mas que não ficará na memória como os dois anteriores.
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