Refugiados, Viet Thanh Nguyen (Elsinor)

    Uma primeira palavra para a cuidada edição deste livro de contos, pela Elsinore, da 20 | 20 editora. A capa, muito apelativa, tem uma ilustração de Lord Mantraste, de quem há uma nota biográfica no final do livro. O livro traz, na primeira página, o poema You are welcome to Elsinore do Mário Cesariny, que pode ser ouvido aqui pela voz de Sónia Tavares, vocalista dos Gift.

    Viet Thanh Nguyen nasceu no Vietname, tendo, em 1975, fugido com a família para os EUA. Os contos reunidos em Refugiados, bem como os outros dois livros do autor, O Simpatizante (que, entre outros prémios, recebeu o Prémio Pulitzer para Ficção) e O Comprometido, refletem bem as suas origens e experiência de vida.

     Refugiados inclui 8 contos, sendo os protagonistas, na maioria dos contos, refugiados de origem vietnamita. Enquanto lia o primeiro conto, Mulheres de olhos negros, reparei que agarrava a capa com as mãos completamente contraídas, não pelos fantasmas que apareciam, mas pelo sofrimento por que tinham passado (embora me parecesse mais adequado, evitei a redundância que resultaria de escrever “pelo sofrimento que tinham sofrido”). Mas é no final deste primeiro conto que justifica ou explica o que o leva a escrever:

     “As histórias são apenas invenções nossas, nada mais. Procuramo-las num mundo além do nosso, deixando-as depois aqui para serem encontradas, como roupas largadas por fantasmas.”

     O segundo conto, O outro homem, fala do confronto de um refugiado com a homossexualidade do casal que o acolhe. Confronto e atração simultaneamente, a que se juntam as memórias do tempo em que em Saigão dormira num quarto “apinhado de homens e de rapazes solteiros que, inquietos em esteiras de juncos, tentavam dormir enquanto respiravam o ar humidifcado pelo odor do trabalho árduo que os corpos emanavam.”

     O terceiro conto, Anos de guerra, será em parte autobiográfico, dado que tal como os pais de Viet Thanh Nguyen, os pais do protagonista têm uma mercearia de produtos vietnamitas. A mãe, uma mulher com uma rotina “tão previsível como a rotação da Terra” surpreende-o ao dar dinheiro a uma outra mulher vietnamita que lho pedira para ajudar os soldados e também dando ao filho dinheiro para comprar o que quisesse. Fizera-o depois de ter conhecido a tragédia da vida dela e, também, por o filho a ter ouvido.

     O transplante, o quarto conto, é muito curioso, pela sucessão de eventos e também pela descoberta de que as pessoas não são quem pensamos que são ou o que são. Aliás, a primeira frase do conto dá o mote:

     “Aconteceram muitas coisas inesperadas a Arthur Arellano e a transformação da sua modesta garagem num armazém com pilhas de caixotes de artigos contrafeitos estava longe de ser a mais surpreendente.”

   O conto seguinte, I’d love you to want me, é de uma imensa ternura. Conta a história de uma mulher que cuida do marido, o Professor, que está a ficar demente e a confunde com uma antiga namorada, de que ela nunca ouvira falar. Por causa dele, ela abdica de trabalhar numa biblioteca, de que gostava muito, e, por fim, desiste dela própria ao apresentar-se como a antiga namorada dele.

     O sexto conto, Os americanos, inverte a situação: um casal que vive nos EUA, embora com ascendência japonesa e africana, vão visitar a filha que vive no Vietname com o namorado, sentindo que de alguma forma estava a compensar o facto de o pai, que tinha sido piloto da Força Aérea americana, ter bombardeado o país e matado milhares de pessoas. No final, a situação entre pai e filha também se inverte, e é ele que estando hospitalizado, tem medo e chora à noite.

     O sétimo conto, Alguém diferente de ti, fala da relação entre um pai e um filho e a sua ex-mulher. O pai nasceu no Vietname e é muito diferente do filho, diferença essa que ultrapassa as diferenças culturais e geracionais. Mas apesar da diferença, é o pai que insiste e consegue que o filho se reaproxime da sua ex-mulher.

     Pátria, o último conto, é sobre um vietnamita que tem duas famílias, a primeira vive nos EUA para onde emigraram, a segunda reside no Vietname. Aos filhos dos dois casamentos, o pai deu os mesmos nomes, esperançado que mesmo que os primeiros nunca o procurassem, poderiam querer conhecer os irmãos homónimos. Anualmente recebiam uma carta da primeira mulher, com fotografias dos filhos e com indicação do que cada um fazia. Histórias de sucesso que correspondiam à expetativa e às ideias feitas sobre a vida nos EUA, mas que se revelam falsas.

     Àparte a questão cultural e traumática de quem viveu uma guerra e chega a um país como refugiado, estas histórias são sobre a natureza humana. No que têm de bom e de mau. Porventura a frase que roubei do sétimo conto resuma isso mesmo:

     “Suponho que o petróleo, tal como a raiva e a amargura, pode ser encontrado em qualquer parte do mundo. Apenas temos de saber onde procurar.”

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