Como poeira ao vento, Leonardo Padura (Porto Editora)

Como poeira ao vento
    Um amigo emprestou-me este livro. Depois de insistir que tinha de o devolver (insistência que compreendo muito bem, porque também a faço quando empresto um livro de que gosto), disse que depois falaríamos sobre ele. São pouco mais de 600 páginas que li num ápice, entre Lisboa e Maputo, porque não conseguia parar de ler.
   Do Autor, Leonardo Padura, já li outros livros: Um passado perfeito, A transparência do tempo e O homem que gostava de cães. Os dois primeiros são policiais, e em ambos pontifica a figura de Mario Conde. Mas como escrevi na recensão de A transparência do tempo: «é a complexidade das personagens, a atualidade dos temas ainda que mesclados com temas históricos,  a partilha de reflexões e de algumas perplexidades que justificam o interesse das obras deste autor, sejam policiais, como Um passado perfeito ou romances como O homem que gostava de cães.» A estas obras podia acrescentar Como poeira ao vento. Não é apenas por a geografia das suas histórias passar sempre por Cuba que reconhecemos as obras de Leonardo Padura.
    Apesar disso, a sensação que tive enquanto lia Como poeira ao vento é que estava perante uma outra versão de Os amigos de Alex (filme de Lawrence Kasdan, de 1983). Neste romance, a morte de um elemento do grupo de amigos, o Clã, como se designavam, desfaz o grupo que se volta a reencontrar - não na sua totalidade - muitos anos depois, para se despedirem de outro amigo. Mas dizer isto é reduzir de uma forma muito simplista a vertigem que nos arrasta desde o início de Como poeira ao vento até às últimas páginas.  É também sobre Cuba e a escolha e as consequências de ficar ou partir, sobre o amor, sobre crime, sobre amizade e sobre uma geração que é também a minha. E que identificamos pela época que vivemos e pelas músicas que ouvimos, como Dust in the wind.
     Leonardo Padura vive ainda e sempre em Cuba, onde é um escritor reconhecido e premiado, mas em Como poeira ao vento dá-nos um retrato dramático do dia a dia dos cubanos:

    «(...) Esses que, como num filme de Bunuel, Clara via a lutarem por um pacote de bolachas de baixa qualidade mas a preços reduzidos, que contavam os tostões para acederem a um saco de pescoços e de patas de frango para conseguirem ingerir algumas proteínas, ou a uns cubos de caldo concentrados para darem algum sabor a arroz. Aqueles que levavam esparguete todo partido, feito com farinhas de baixa qualidade, tirado de um saco enorme e vendido aos punhados, esses esparguete que nos dias melhores cozinhavam com uma carne picada de cheiro e sabor indistintos. E mais abaixo, aqueles que viviam em barracas com telhados de zinco ou de lona, sem saneamento público, como os que vira em terrenos dos arredores da cidade, relativamente perto da sua caasa, e que lhe recordavam os sonhos e os discursos dos tempos do romantismo, dos anos de credulidade nos planos para o futuro, repetidos por pessoas como os seus pais arquitetos, com as promessas habituais de habitações dignas para todos como parte do inevitável futuro melhor, prometido ou em construção. Ou ela e todos eles teriam ouvido mal? Alguém via aquela realidade? Alguém reparava que entre os mais atingidos havia mais negros do que brancos? Não, rectificou, alguém podia dizer que não via?» (pg. 545)

    Um retrato duro, difícil, de um país e de uma geração. Ao mesmo tempo uma história de um crime e várias histórias de amores e desamores. Leonardo Padura  no seu melhor.

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