Viajar na Maionese, João Pedro George (Edições 70)

     Gosto de ler crónicas, com o ritmo próprio de cada uma e o capricho dos temas, desde as crónicas diárias do Miguel Esteves Cardoso, às crónicas quinzenais ou mensais, publicadas em revistas, do António Lobo Antunes (que desdenhava dos seus leitores), do Mia Couto ou do Agualusa. Gosto também de crónicas radiofónicas e fui uma ouvinte atenta dos Sinais, de Fernando Alves. Deliciei-me há uns tempos a ler as crónicas de Luiz Pacheco, juntas em Textos de Guerrilha, e de Maria Judite Carvalho, reunidas em Este tempo.

    Foi por isso uma boa surpresa descobrir este Autor – dir-se-á croniqueiro? – e a enorme variedade dos seus temas, que vão do calão, que considera o santuário das palavras javardas, à gordofobia, à importância dos parêntesis, à sociologia do cabelo e da barba, à pandemia ou à presença do bidé na literatura portuguesa (antecedida de outra crónica com o título Glória ao bidé). Enquanto lia as crónicas sobre o bidé descubro que deixou de ser obrigatório nos novos projetos urbanísticos e penso nas repercussões que esta alteração terá na literatura…

    Ao ler estas crónicas, ri-me, diverti-me, mas também aprendi. Nalguns casos, a leitura acabava comigo a ler excertos a amigos ou familiares, como aconteceu no caso da crónica «Ao serviço da maldade» sobre as notas de rodapé. Como exemplo de uma nota de rodapé ao serviço da maldade, cita as «As Cartas Particulares a Marcello Caetano», com prefácio e organização de José Freire Antunes. Na página 354 do segundo volume, para justificar uma frase do atual Presidente da República, refere uma carta da sua mãe, que acaba da seguinte forma:

    «Sei bem que o Marcelo, mercê de muitas e variadas circunstâncias, não tem agido de uma forma coerente com o seu pensamento, mas a verdade é que tem sido quase um fracasso toda a sua vida na universidade.»

    No mínimo surpreendente.

    As crónicas sobre as primeiras e últimas frases de um livro são fantásticas e penso que a partir de agora darei uma especial atenção à forma como um livro começa e acaba. Como escreve a acabar a crónica «Como uma corrente que nos puxa para dentro do mar»:

    «Se a primeira frase é o lugar genesíaco de um romance, a última carrega-o todo às costas. Terminar um livro com palavras certeiras é também uma arte. A arte da fuga.»

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