Um Pássaro no Arame, Manuel Alberto Vieira (Edições Caixa Alta)

 

  «Um pássaro no arame» foi o quarto livro escolhido para ler e debater no Clube de Leitura da Almedina Rato, com curadoria de Paulo Faria. Os anteriores foram Um Detalhe Menor, de Adania Shibli, Um dia na vida de Abed Salama, de Nathan Thrall, e Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira. Destes só não tinha lido o segundo, que li, entretanto, e que me impressionou muitíssimo, embora me parecesse que nalgumas partes o autor se alongasse demasiado com a parte histórica e política.

    Talvez pela seleção dos primeiros livros, custou-me entender a escolha de Um pássaro no arame, que trata um tema completamente distintos dos anteriores.

     Ao longo da leitura fui-me lembrando do princípio de Tchekhov, segundo o qual se numa peça de teatro aparece uma espingarda numa parede ela será disparada mais à frente, isto para evitar elementos inúteis numa narrativa ou criar expetativas sem qualquer fundamento. Ora, em Um pássaro no arame, há várias «espingardas» que não são usadas: o papelinho que o homem do supermercado entrega a Miriam, a mudez de Jonas, irmão de Alberto, a rapariga magra com os pulsos marcado, o encontro da mãe com a irmã e a conversa que têm na cozinha, a ausência de fotografias em casa e a interdição da música….

     Pelas pistas que vão sendo deixadas, ficamos à espera de perceber a causa da infelicidade daquela família, com alguns laivos de normalidade – os passeios de carro aos domingos, o pequeno-almoço em família, as notas de Alberto, a ida do filho ao psiquiatra acompanhado pelos pais –, mas apenas ficamos a saber, no final, que os pais desapareceram e o irmão foi internado. Continuamos, contudo, sem perceber. Poderia ser a perspetiva de uma criança - Alberto - sobre a sua família e a incompreensão pelo que se passa no mundo dos adultos. São-nos dados instantâneos da sua vida e daqueles que o rodeiam, mas, tal como o leitor, Alberto não penetra nos segredos da família e muito menos na relação entre os pais. Mas Alberto já não é uma criança. E confesso que me irritou muitíssimo a leitura do capítulo «Alberto e a generosidade» em que para acabar com a tristeza de uma rapariga gorda Alberto lhe sugere fazer uma coisa para tirar a tristeza. Têm relações sexuais e no final Alberto pensa beijá-la, mas vai-se embora. Tratou-se de um ato generoso?Porque ela era gorda? Porque estava triste?

    Gostei muito da escrita do autor, mas senti que faltava substância ao «Um pássaro no arame». Como se o autor não tivesse ido ao fundo, nem se tivesse aventurado a descrever de que maneira aquela família era infeliz.

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