Como já vem sendo habitual, em agosto tirei uns dias de
férias para os gozar com os meus netos. O destino foi Peniche e as maravilhosas
praias do Baleal, da Consolação e São Bernardo. Ignorava que a semana seria
marcada pelo ainda furacão Erin, que fez hastear as bandeiras vermelhas e o mar
galgar metros de praia. Mas mesmo assim, conseguimos aproveitar na maré baixa
as pequenas piscinas que ficavam entre as rochas.
    Antes de partirmos, quando fazia as malas, decidi
substituir o livro Regressos
quase perfeitos, memórias da guerra em Angola, que estava a ler, por
este, Assassinato no Comité Central, que me parecia ajustar-se melhor à praia e
aos curtos períodos de leitura que os miúdos me iriam permitir. Mas regressei
com poucas páginas lidas. Logo no primeiro dia, depois do almoço, decidi oferecer-me
uns minutos de leitura, enquanto o mais velho, que tem 5 anos, via desenhos
animados, e a mais pequena, com 2 anos, se dedicava a pintar – na verdade, a
riscar – um livro para colorir com lápis de cor e canetas de feltro. Foi só o
tempo de ler uma ou duas páginas, para descobrir que os riscos tinham saído das
páginas, passado para o chão e já ameaçavam o sofá.     Mesmo a expectativa que tinha de conseguir lê-lo quando
eles adormecessem, se esboroou rapidamente, porque depois de lhes ler vários
livros e inventar histórias, também eu adormecia.
    Foi só após as férias, já entre viagens de comboio e o
final de dia, que consegui ler Assassinato no Comité Central. Como é referido
na contracapa, no início de uma reunião do Comité Central do Partido Comunista
Espanhol, em que só se encontravam os seus membros, o secretário-geral,
Fernando Garrido, é assassinado no momento em que falha a luz. Terá sido o
crime de um fanático ou o início de um plano para desestabilizar a democracia?
    A investigação
oficial é entregue ao Comissário Fonseca – «o sacana do Fonseca» -, um dos
carrascos prediletos do franquismo. O PCE decide por isso contratar Pepe Carvalho, detetive e
ex-comunista, que aceita investigar o crime de forma não oficial, aliciado
pelos rins de cordeiro da tasca da Maria de Cebreros. A gastronomia tem um
papel central no livro, começando pela recusa inicial de Pepe ir para Madrid,
pois a capital espanhola, como refere, só contribuiu para a herança da cultura
gastronómica do país com um cozido, uma tortilha e umas tripas.
    Antes de partir de Barcelona, Pepe Carvalho toma o pequeno-almoço,
composto por pão com tomate, uma salsicha catalã com trufas, azeitonas e
um palhete frio. Já em Madrid, entre outras refeições que ele prepara, detalhadamente descritas, está um jantar de tripa e chispe com ervilhas e alcachofras seguido de atum entremeado com
anchovas. E isto apenas para mencionar uma das ementas mais surpreendentes, sempre
acompanhadas de vinho.
    A ação decorre toda em Madrid e a uma velocidade
vertiginosa. Confesso que tive dificuldade de ler a descrição de lutas
físicas ou as corridas de carros, ao estilo de um guião de Hollywood.
    O livro foi publicado em 1981 e penso que terá tido muito
maior impacto na altura em que foi publicado. E, provavelmente, teria gostado
mais de o ler então. As referências constantes às mudanças resultantes da
passagem da clandestinidade para a legalidade e a desilusão com a situação política da época são uma constante:
    «No meu tempo dava-se a vida para ser-se membro do Comité
Central. Hoje discutem-se fins de semana. (…) Há quem faça setecentos
quilómetros de comboio para vir à reunião e há quem fique em Arguelles, a meia
hora de táxi.» (pg 15, 16)
    «O sentido da pontualidade é a primeira coisa que se perde
na legalidade.» (pg. 20)
    «Já se sabe. Abandona-se o marxismo e acaba-se a acreditar
no zodíaco e sem saber distinguir o bem do mal.» (pg. 307)
    Achei curioso também que ele se refira a si próprio e ao
Prémio que tinha recebido em 1979:
    «O assassínio de Garrido é uma peripécia devoradora que não
vai desenterrar as lanças dos sans-coulottes nem atirar os tanques para a rua.
É um pedaço de carne oferecido à lógica do sistema, e discutir este facto
significa discutir o sistema e pôr em perigo a realização de reuniões como esta
ou que o Comité Central se possa reunir na legalidade ou que haja cursos
universitários para maiores de vinte e cinco anos ou que escritores como
Vásquez Montalbán possam ganhar o Prémio Planeta.» (pg. 108)
    No global, Assassinato no Comité Central, é um livro que se
lê bem, que nalguns momentos é muito divertido e perspicaz, mas chega a ser
entediante noutros e confesso que o desfecho me desiludiu. 
***
 
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