Assassinato no Comité Central, Manuel Vásquez Montalbán (Quetzal)

 

    Como já vem sendo habitual, em agosto tirei uns dias de férias para os gozar com os meus netos. O destino foi Peniche e as maravilhosas praias do Baleal, da Consolação e São Bernardo. Ignorava que a semana seria marcada pelo ainda furacão Erin, que fez hastear as bandeiras vermelhas e o mar galgar metros de praia. Mas mesmo assim, conseguimos aproveitar na maré baixa as pequenas piscinas que ficavam entre as rochas.

    Antes de partirmos, quando fazia as malas, decidi substituir o livro Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola, que estava a ler, por este, Assassinato no Comité Central, que me parecia ajustar-se melhor à praia e aos curtos períodos de leitura que os miúdos me iriam permitir. Mas regressei com poucas páginas lidas. Logo no primeiro dia, depois do almoço, decidi oferecer-me uns minutos de leitura, enquanto o mais velho, que tem 5 anos, via desenhos animados, e a mais pequena, com 2 anos, se dedicava a pintar – na verdade, a riscar – um livro para colorir com lápis de cor e canetas de feltro. Foi só o tempo de ler uma ou duas páginas, para descobrir que os riscos tinham saído das páginas, passado para o chão e já ameaçavam o sofá.

    Mesmo a expectativa que tinha de conseguir lê-lo quando eles adormecessem, se esboroou rapidamente, porque depois de lhes ler vários livros e inventar histórias, também eu adormecia.

    Foi só após as férias, já entre viagens de comboio e o final de dia, que consegui ler Assassinato no Comité Central. Como é referido na contracapa, no início de uma reunião do Comité Central do Partido Comunista Espanhol, em que só se encontravam os seus membros, o secretário-geral, Fernando Garrido, é assassinado no momento em que falha a luz. Terá sido o crime de um fanático ou o início de um plano para desestabilizar a democracia?

 A investigação oficial é entregue ao Comissário Fonseca – “o sacana do Fonseca” -, um dos carrascos prediletos do franquismo. O PCE decide por isso contratar Pepe Carvalho, detetive e ex-comunista, que aceita investigar o crime de forma não oficial, aliciado pelos rins de cordeiro da tasca da Maria de Cebreros. A gastronomia tem um papel central no livro, começando pela recusa inicial de Pepe ir para Madrid, pois a capital espanhola, como refere, só contribuiu para a herança da cultura gastronómica do país com um cozido, uma tortilha e umas tripas.

    Antes de partir de Barcelona, Pepe Carvalho toma o pequeno-almoço, composto por pão com tomate, uma salsicha catalã com trufas, azeitonas e um palhete frio. Já em Madrid, entre outras refeições que ele prepara, detalhadamente descritas, está um jantar de tripa e chispe com ervilhas e alcachofras seguido de atum entremeado com anchovas. E isto apenas para mencionar uma das ementas mais surpreendentes, sempre acompanhadas de vinho.

    A ação decorre toda em Madrid e a uma velocidade vertiginosa. Confesso que tive dificuldade de ler a descrição de lutas físicas ou as corridas de carros, ao estilo de um guião de Hollywood.

    O livro foi publicado em 1981 e penso que terá tido muito maior impacto na altura em que foi publicado. E, provavelmente, teria gostado mais de o ler então. As referências constantes às mudanças resultantes da passagem da clandestinidade para a legalidade e a desilusão com a situação política da época são uma constante:

    "No meu tempo dava-se a vida para ser-se membro do Comité Central. Hoje discutem-se fins de semana. (…) Há quem faça setecentos quilómetros de comboio para vir à reunião e há quem fique em Arguelles, a meia hora de táxi." (pg 15, 16)

    "O sentido da pontualidade é a primeira coisa que se perde na legalidade." (pg. 20)

    "Já se sabe. Abandona-se o marxismo e acaba-se a acreditar no zodíaco e sem saber distinguir o bem do mal." (pg. 307)

    Achei curioso também que ele se refira a si próprio e ao Prémio que tinha recebido em 1979:

    “O assassínio de Garrido é uma peripécia devoradora que não vai desenterrar as lanças dos sans-coulottes nem atirar os tanques para a rua. É um pedaço de carne oferecido à lógica do sistema, e discutir este facto significa discutir o sistema e pôr em perigo a realização de reuniões como esta ou que o Comité Central se possa reunir na legalidade ou que haja cursos universitários para maiores de vinte e cinco anos ou que escritores como Vásquez Montalbán possam ganhar o Prémio Planeta.” (pg. 108)

    No global, Assassinato no Comité Central, é um livro que se lê bem, que nalguns momentos é muito divertido e perspicaz, mas chega a ser entediante noutros e confesso que o desfecho me desiludiu.

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