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O Museu da inocência, Orhan Pamuk (Editorial Presença)

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    Tolstoi inicia Anna Karenina dizendo que as famílias felizes não têm história .Os amores felizes também não. Desde pequenos que sabemos que a história que começa com Era uma vez acaba com  Casaram-se e foram felizes para sempre ! A felicidade não merece ser contada.     O Museu da inocência obedece a esta regra: Kemal, solteiro, de boas famílias turcas, estava praticamente noivo de uma jovem, também turca, que estudara em Paris. Pouco antes da festa do noivado entra numa loja onde reconhece uma prima afastada que não via há muitos anos. Arranja todos os pretextos possiveis para que ela se encontre com ele num apartamento que pertencia à sua mãe e iniciam nesse dia um romance, ficando Kemal dividido quanto ao noivado e casamento.     Termina por avançar com a festa do noivado, conseguindo que Fusun e os pais sejam convidados e compareçam. Depois da festa Fusun desaparece e Kemal arrasta-se numa existência melancólica que começa por afastar os amigos e conduz ao fim do noivad

A varanda do Frangipani, Mia Couto (Editorial Caminho)

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    Frangipani é, de acordo com o glossário que encerra o livro, uma árvore tropical que perde toda a folhagem no período da floração. É por esta razão que o português Domingos Mourão, chamado também de Xidimingo, gosta tanto desta árvore: "É que aqui, na vossa terra, não há outras árvores que fiquem sem folhas. Só esta fica despida, faz conta está para chegar um Inverno. Quando vim para África, deixei de sentir o Outono. Era como se o tempo não andasse, como se fosse sempre a mesma estação. Só o frangipani me devolvia esse sentimento do passar do tempo".     A história é narrada por um morto destinado a ser transformado em herói nacional de Moçambique após a independência. Para evitar esta situação, que não deseja, e a conselho do pangolim, tem de remorrer de novo e para isso vai ocupar o corpo de um polícia que se dirige ao lar de idosos, para investigar a morte do administrador, e que está condenado a morrer em 6 dias. É nesse corpo que vai acompanhando a investigação

Livros de férias

Nos últimos anos planeio ler nas férias os primeiros volumes do "Em busca do tempo perdido" mas, ano após ano, quando as férias chegam, resisto a pegar no primeiro volume e reler as primeiras páginas "Do lado de Swan" e privilegio outras leituras que fui acumulando ao longo do ano. Este ano não foi excepção, queria acabar a leitura do livro "A morte do ouvidor" de Germano de Almeida, que decorre entre os factos que deram origem ao título e a actualidade, em que o autor e um amigo discutem e analisam como vão escrever o livro e narrar a história. Mas perdi o livro já nos últimos capítulos - espero que quem o encontre o aprecie -. Dediquei-me então a ler o livro que me foi oferecido como um pedido de desculpa "Um homem bom é um homem morto", de Gaby Hauptmann, pensando que o facto de estar de férias e os motivos que justificaram a oferta me permitiriam saborear a sua leitura. Mas é muito mau. Demasiado primário, quer na construção da história,

História Concisa de Portugal

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    Porque a leitura não passa apenas pela ficção, aventurei-me a ler a História Concisa de Portugal, de José Hermano Saraiva, a fim de recuperar um pouco os meus escassos conhecimentos de História.     Aconselho a quem sinta o mesmo.    A História é contada nos traços gerais da sua evolução, sem entrar em demasiados detalhes. Tal como constitui a sua mais-valia, é o seu maior defeito pois, por vezes, gostaria de ter explorado algo mais concreto. De qualquer maneira, deste modo situamos um pouco mais os acontecimentos e personagens na linha do tempo, quando confrontados com essa necessidade ou simples curiosidade. *** Quero ler este livro!

Lolita, Vladimir Nabokov (Editorial Teorema)

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    Lolita é um livro onde se narra a paixão - se é correcto que lhe apliquemos esse termo - de Humbert, homem nos seus quarenta anos, por Lolita, uma criança de 12 anos. A história é conhecida, o termo Lolita , como designativo de crianças com precoces atitudes sexuais e de sedução, também.     A narrativa é deslumbrante e, sobretudo na primeira parte, em que o enredo se desenvolve mais rapidamente, é difícil pousar o livro. Se, por vezes, consideramos que há um interesse mútuo entre as duas personagens, depressa surge uma nova evidência do sofrimento da criança. No entanto, não é um livro que tenha referências dolorosas para o leitor, ou de carácter subversivo, sexual ou violento, pelo que conseguimos lê-lo com discernimento e sem asco, chegando mesmo a saborear as palavras que, como já mencionei, se dispõem maravilhosamente. *** Quero ler este livro!

O Mistério da Estrada de Sintra, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão

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    O que primeiro me despertou interesse neste romance policial foi o filme português homónimo e baseado na obra, que gostei muito. Mais uma vez, como de costume, a obra supera largamente o filme, mas fiquei satisfeita por ter começado por ver o filme. É mais suave e está muito bem pensado.     O livro, claro, está maravilhosamente escrito e, tendo começado por folhetins no Diário de notícias, está pensado também de forma admirável, com diversas personagens contribuindo para o desvendar da trama, sem nunca desvendarem os nomes ou lugares por onde passam. Li-o num sopro. E senti-o de maneira muito forte. Quando começamos a perceber a sequência dos actos que levam à morte do inglês com que somos confrontados nas primeiras páginas, pesa-nos um desassossego e angustiamo-nos com as angústias da condessa e do seu primo, simpatizamos e sentimos piedade pelas desgraças que se abatem sobre as cabeças de todos quantos as carregam.     É arrasador, mas gostei muito. *** Quero le

O Que Fazem Mulheres, Camilo Castelo Branco (Edições Caixotim)

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    Que dizer deste livro?    Foi a minha estreia com Camilo e é certo que li o livro de uma assentada. Diz o autor tratar-se de um romance filosófico. Pois decerto terá algumas reflexões - que, para mim, fazem parte do encanto do livro: o autor comenta a estória à medida que a conta, sendo que a revela como se se tratando de um caso verídico. É difícil acreditar que o seja, tão desmesuradamente exploradas estão as personagens, que chega a um ponto ridículo a sua descrição, fisionómica ou de carácter. Ainda que divertida pelas interrupções que o autor cria, a estória é um drama melancólico, daquelas novelas romanceadas que se leriam. A personagem principal, Ludovina, é descrita como uma santa de carácter e inabalável virtuosidade. Tanta que enjoa. E o autor insiste em todo o livro em como esta é verídica e em que as leitoras - sim, ele dirige-se essencialmente a um público feminino - acreditem que ela é verdadeiramente assim. Esta ideia é a última a ser sublinhada no final do livr

Vidas Entrelaçadas, de Linda Grant

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    De título original The Clothes on Their Back (perto de As roupas vestem ) conta-nos a história da família Kovacs, contada pelo tio Sandór e escrita e explorada pela sua sobrinha Vivien. Não concordo com a tradução do título para português porque não faz jus ao enredo. O título original baseia-se em pequenas referências ao longo do romance de como as roupas que vestimos nos podem definir uma diferente pele, quer estejamos a falar de roupas, no seu sentido literal, ou simplesmente da imagem que procuramos adoptar. Temos acesso a um rol de personagens muito bem exploradas, não sendo uma exploração exaustiva e permitindo-nos criar as nossas próprias conclusões acerca dos seus papéis e estilos de vida. Mais concretamente, para mim, este livro retrata as escolhas, tão diferentes, mesmo para pessoas em circunstâncias semelhantes, que vamos fazendo ao longo da nossa vida, sobretudo quando em situações de afrontas directas à sobrevivência. A diferença abissal do modo de vida escolhido p

O Véu Pintado, Somerset Maugham

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    Como me disseram noutro dia, eu tenho prazer em ler um livro bem escrito. É o caso. O livro está extremamente bem escrito, a história é envolvente. Ultrapassa o livro, cuja frase de difusão é linda (« Por vezes, a maior viagem é a distância entre duas pessoas ») mas foge em muito ao cerne do romance. Para mim, é uma lição. Um modo de apreender que todos os nossos atos trazem consequências que não podemos adivinhar e que sempre nos poderão surpreender, e mostra como as vicissitudes da vida nos tornam naquilo que somos. É um livro apaixonante.     Começa com a frase:     « ...esse véu pintado a que os que vivem chamam Vida.»     Para mim, a passagem que se segue ilustra o título do livro:     « Estas cenas plenas de cor e harmonia, inesperada excelência e profunda estranheza, eram como um pano de arrás diante do qual, em formas misteriosas e sombrias, brincavam os fantasmas criados pela fantasia de Kitty. (...) A Kitty parecia-lhe incrível (...) que ela e Walter tivessem

Do que eu gosto em Saramago

    Nos últimos dias muito se tem escrito e dito sobre Saramago, sobre a vida, sobre a obra, sobre os amores, sobre a família e, claro, sobre a morte.     A morte dele surpreendeu-me durante uma conferência, transmitida por uma jovem, muito comovida. Também a comoção dela me surpreendeu.     Acabei de ler recentemente o livro Caim que, confesso, não gostei. Mas, independentemente de alguns livros que me desapontaram, gosto do Saramago. Gosto da paixão dele por Pilar - só num filme ousaríamos sonhar com um amor tão forte que ao fim de vários anos mantivesse todos os relógios deliberadamente parados a marcar a hora do primeiro encontro.     Gosto da forma desassombrada como relatava ter-se tornado escritor profissional ou mesmo ganho o prémio Nobel.     Gosto do vestido que a Pilar usava no dia em que lhe foi entregue o Prémio Nobel (o vestido vermelho tinha uma frase bordada extraída do O Evangelho Segundo Jesus Cristo " Olharei a tua sombra se não quiseres que te olhe a t

As Esquinas do Tempo, Rosa Lobato de Faria (Porto Editora)

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    Ainda não me decidi acerca do que achei deste livro. Foi, sem dúvida, um livro que em agarrou. Mesmo em época de exames, bastaram-me dois dias para o ler de fio a pavio. A história é, sem dúvida criativa e a escrita inteligente. Seguimos o percurso de Margarida Saldanha, uma professora de matemática que, quando convidada para um conferência no Norte,tropeça inesperadamente na Esquinas do Tempo, voltando cem anos atrás e tomando o lugar da sua Bisavó Margarida. É recorrente o paralelismo dos diferentes momentos que seguem no livro, com aquele que já havia lido no livro A Trança de Inês. Apesar de ser uma ideia gira, perde por ser repetida. As histórias de amor que se nos deparam são verdadeiramente arrebatadoras e, no entando, o enredo desenrola-se demasiado rápido e quando dei por mim a fechar o livro, apercebi-me que parte dos mistérios de família que começaram a ser desvelados não foram concluídos. Gostei do livro, sim, mas penso que tem muitas ideias que carecem de desenvolvi

"O amor não espera à porta" Marisa de los Santos (Oficina do Livro)

Há várias razões para comprarmos um livro: leitura de críticas, indicação de quem já o leu, a capa, o resumo que muitas vezes podemos ler na contracapa... Foi uma mistura de algumas destas razões que me levaram a impulsivamente comprar este livro e lê-lo: A capa é bonita e o resumo da história interessante. também contribuiu a indicação de que a autora acompanhava a história de excertos de filmes clássicos que nos sentiríamos tentadas a ver. Mas o livro é decepcionante. É um livro filme, isto é, provavelmente, em breve dará origem a um filme que adoraremos ver numa tarde de Inverno. Aprendi uma coisa que já sabia: não devemos levar a sério as críticas elogiosas publicadas em jornais. Aprendi isto quando fui à inauguração de uma exposição colectiva em que participava uma amiga e que acompanhava a nota biográfica de uma crítica publicada num jornal espanhol. Perante a minha surpresa pela sua internacionalização, o riso dela desvendou o segredo. Não havia crítico nem crítica...mas ningu

Mafalda Veiga

Fico fascinada por algumas letras de canções, em particular quando fogem às rimas e aos temas comuns. Hoje, ao ouvir uma música de Mafalda Veiga, cantada em conjunto com Tiago Bettencourt, fiquei deslumbrada, primeiro pela interpretação e depois pela letra. Eu gostava de a ter escrito e portanto vou roubar algumas frases: Pedes-me um tempo, Para balanço de vida. Mas eu sou de letras, não me sei dividir. Para mim um balanço É mesmo balançar, balançar até dar balanço e sair... Pedes-me um sonho, para fazer de chão. Mas eu desses não tenho, só dos de voar. (...) Pedes o mundo dentro de mãos fechadas e o que cabe é pouco mas é tudo o que tens. Esqueces que às vezes, quando falha o chão, o salto é sem rede e tens de abrir as mãos. Pedes-me um sonho Para juntar os pedaços mas nem tudo o que se parte se volta a colar. (...) Ler é bom mas ouvi-la é ainda melhor. E é verdade, eu que sou de letras não me sei dividir....

O Regresso, Bernhard Schlink (Edições Asa)

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    Gosto de Schlink por trazer para as páginas dos seus livros questões do direito, o que não é muito comum. Neste caso não acompanhamos julgamentos mas a vida de um jovem pós 2ª Guerra Mundial que vive com a mãe e que passa as férias com os avós paternos. É com os avós que contacta com uma forma de romance comum na época, com relatos de regressos a casa, em regra, de soldados. Na infância leu um destes romances incompletos (pois os avós davam-lhe as provas para usar como folhas de rascunho) e em adulto, por coincidência, encontra mais algumas páginas desse mesmo romance. Inicia então uma busca pelos protagonistas desse romance que o conduz à procura e descoberta do pai. Tudo isto o obriga a uma viagem interior, ao confronto com a realidade que a mãe lhe criara e, porventura, à descoberta que muitas vezes sabermos a verdade não nos redime ou ajuda sequer....     Todo este percurso é acompanhado por uma história de amor pouco convencional, que se inicia através das suas pesquisas

Os Olhos de Ana Marta, de Alice Vieira (Caminho)

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    Há livros que marcam a nossa infância. Quando penso nesses livros, há talvez dois ou três de cujos títulos e capas e até sentimentos, me lembro. "Os olhos de Ana Marta" é um desses livros. Já não sei que idade tinha quando o li, mas lembro-me que adorei, que era profundo e marcante. Mesmo na altura fiquei surpreendida porque tinha uma certa dificuldade em entrar no registo da Alice Vieira. Nas últimas semanas fiquei mais curiosa com o tema do livro, porque embora me lembrasse que me tinha dito muito, não me lembrava do enredo. Porém, tinha também algum receio de me desapontar.      Enganei-me!    Peguei no livro e li-o de um só fôlego. Não o consegui largar. Descrito pela voz de uma criança que luta por compreender o estranho mundo que é a casa dela, entre as histórias da ama e a indiferença dos pais, até o descortinar de uma verdade fechada a sete chaves atrás de uma das muitas portas trancadas.     Apesar de ser um livros para crianças, aconselho aos adultos.

Basta-me viver, Carlos Vale Ferraz (Casa das letras)

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    Carlos Vale Ferraz é apresentado na capa como Autor de «Fala-me de África» (que tenho de ler) mas para mim será sempre o Autor de «Nó Cego». Este último livro, editado muito recentemente, tem como subtítulo "A história do órfão da foz dos rios" e é dedicado às Mães. Esta é uma história de amor absoluto de duas mães pelos seus filhos, mas é também uma história sobre o dever. Dos sacrifícios em nome do amor e das contradições do dever.    O livro inicia-se com a morte dos dois avôs, Augusto Torres e Baltazar Gonzaga, respectivamente, avô paterno e materno do narrador. Augusto Torres era um homem do regime, salazarista, deputado da UN e ligado à legião. Baltazar Gonzaga era um homem central na luta contra o colonialismo e pela independência de Angola. Distantes nos princípios e objectivos, próximos na forma como se relacionavam com os outros e como os seus ideais se sobrepunham a tudo.     Toda a história se desenrola na conversa entre o órfão e o tio, Ernesto Gonza

10 Paixões em forma de romance - Universidade de Coimbra

Obras de Eça de Queirós , José Saramago , Machado de Assis e Mia Couto foram escolhidas para integrar os dez romances mais representativos da literatura de língua portuguesa pelo júri de um concurso da Imprensa da Universidade de Coimbra. O júri do concurso “10 Paixões em Forma de Romance”, selecionou “ Os Maias ” de Eça de Queirós, “ Memorial do Convento ”, de José Saramago, “ Dom Casmurro ”, de Machado Assis, e “ Terra Sonâmbula ”, de Mia Couto. Entre os “10 Mais” escolhidos pelo júri, que integrou os escritores José Luís Peixoto e João Tordo e vários docentes da Faculdade de Letras (FLUC), figuram ainda “ Amor de Perdição ”, de Camilo Castelo-Branco, “ Aparição ”, de Vergílio Ferreira, “ O Delfim ”, de José Cardoso Pires, “ Esteiros ”, de Soeiro Pereira Gomes, “ A Sibila ”, de Agustina Bessa-Luís, e “ Sinais de Fogo ”, de Jorge de Sena. Estes dez romances foram eleitos como os mais representativos da literatura de língua portuguesa de entre as 30 obras que tinham sido anteriorm

Eleitos e escolhidos, Mário Castrim

    Mais uma crónica do Mário Castrim, publicada no Diário de Lisboa, sob o título Lisboa, verbo amar:     Aquele meu amigo disse que por acaso conhecia uma história de amor passada em Lisboa.     E vai, contou. "Era uma vez eu. Andava aí pelos quarenta anos. Tinha exactamente quarenta e dois, para ser exacto em tudo. "Nesse tempo, já eu fazia a inspecção das sucursais. Vinha de regresso a Lisboa, de comboio, em primeira classe. Saía do bolso à companhia, entendes... "No compartimento viajava apenas uma senhora. Desculpa não te dizer como era ela. Dir-te-ei que era doce, calma, tranquilizante como um Valium 10. Perguntei: "Posso fumar?" "Pois como não"respondeu. Palavras que me chegaram ao coração como um foguete de três respostas de mel. "Duas pessoas só, acabam por não suportar o silêncio. Os trópicos estoiram.O que duas almas podem conversar, rapaz!Antes do dilúvio, quando rebentaram as comportas do céu devia ser assim. "Sabíamos

Primavera Adiada, de Carlos Ademar (Oficina do Livro)

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    Centrado em Marta, uma jovem natural de Évora, que procura encontrar-se como mulher num país definido pela ameaça constante de um governo ditatorial, chega-nos o romance “Primavera Adiada” de Carlos Ademar.     A história segue o percurso desta personagem desde que o namorado a deixa para fugir de uma Guerra Colonial em que não acredita, até à sua vida em Lisboa, quando vai estudar para a Faculdade de Letras, onde acaba por ficar a trabalhar e procura redefinir a sua vida.     Todas as personagens que com ela se cruzam e que determinam mais um traço do seu crescimento, emocional e ideológico, são descritos e dados a conhecer ao leitor de uma forma fluida e agradável que estimula uma leitura inebriante e que mal nos deixa pousar o livro.     Desde as diferenças de ideais políticos entre a sua família e a do seu primeiro namorado, às amigas e colegas que, clandestinamente, contribuíam para a oposição, todos quantos com ela travam conhecimento, fascinando-a – ou não – por

"Aproveita o dia", Saul Bellow (Texto Editores)

A minha estreia com Saul Bellow. Diz na contracapa do livro que o autor foi o único escritor a vencer o National Book Award por três vezes, tendo sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1976. O livro decorre num dia apenas. A personagem central é um homem de meia idade, divorciado, desempregado e que vive num quarto de um hotel. O pai dele, um médico velho reformado, vive no mesmo hotel, cujos quartos são em grande parte ocupados por residentes permanentes. A personagem central vive um dia alucinante, entre pedidos de dinheiro ao pai, telefonemas da ainda mulher a pedir-lhe dinheiro e perdas na bolsa. Pelo meio, as lembranças do casamento e da separação, do falhanço da relação que se seguiu, a sua carreira fracassada de actor e, finalmente, a perda do emprego. O investimento na bolsa deu-lhe a esperança de pagar as dívidas e de recuperar a auto estima, pelo que a perda foi o fim dos sonhos bem como a confirmação que mais uma vez tinha ignorado os conselhos do pai que, co

Todo-o-mundo, Philip Roth (Dom Quixote)

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    Conheço mal a obra de Philip Roth. Todo-o-mundo não me desiludiu, lê-se num fôlego só, mas quando o fechamos sentimos um travo amargo por todo o corpo. O livro trata da decadência do corpo e da proximidade da morte. É uma história narrada na terceira pessoa - ele - que vai convivendo com perdas físicas irrecuperáveis a que se associam problemas, sobretudo do coração, que o obrigam a internamentos frequentes. A doença, a proximidade da morte causada quer pela sua doença, quer pela doença e morte de conhecidos, leva-o a recordar a sua infância, a família - pais e irmão - a morte dos pais, os seus três casamentos falhados, a relação difícil e culpada com os filhos do seu primeiro casamento e a ligação que mantém com a filha, única âncora afectiva da sua velhice.     Todos estes elementos estão logo presentes na abertura do livro, que se inicia com o seu funeral.    A dada altura, num funeral, encontramos este diálogo que sintetiza o livro e que nos persegue durante e após a su

"Amor à primeira vista", Domingos Amaral (Casa das Letras)

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    Várias vezes folheei com curiosidade o livro "Enquanto Salazar dormia" mas, por várias razões, terminei por nunca o comprar, nem ler. Foi por isso que quando este livro do mesmo autor me veio para às mãos decidi lê-lo, apesar do título e da capa me parecerem pouco interessantes. O livro gira à volta de uma investigação jornalística,com todos os ingredientes para o tornarem actual, grandes obras públicas, subornos, corrupção, financiamentos partidários ilegais, e, ao mesmo tempo, a vida amorosa do jornalista, dividida entre uma relação assumida e uma outra clandestina.     As duas histórias terminam por cruzar-se, mas fica tudo por resolver, assumindo o destino fatalista da nossa situação actual em que se levantam suspeitas sobre actos de corrupção que nunca são esclarecidos. Não será por acaso que se fala em pântano: " E ficamos neste pântano, neste perigoso pântano, e toda a gente vai vivendo a sua vidinha, a protestar no café ".      A história é dema

A Trança de Inês, de Rosa Lobato de Faria (LeYa BIIS)

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    Foi a minha vez de me estrear com Rosa Lobato de Faria. Simplesmente divino. Enquanto a história pode ser um pouco perturbadora é, sem duvida, arrebatadora e não conseguia parar de ler. A tragédia de Pedro e Inês transversal a Três épocas em tudo distintas, uma escrita divina, belíssima! Aqui ficam uns excertos:     Ouço passos e uma voz de mulher, autoritária, desconhecida, ecoa como se estivéssemos numa sala enorme e vazia.     - Já cumpriu três vidas?     - Já cumpriu, responde outra mulher.     - Que épocas lhe deram?     - De 1320 a 1367. De 1963 a 2006. De 2084 a 2105.     - Coitado. Era difícil conseguir pior.     Accionaram um dispositivo qualquer e o meu corpo, equilibrado numa maca estreita, sai para a luz.     - Que belo homem. Como é o nome dele?     - Pedro.     - Destino?     - A Paixão.     - Ah, bom. Nesse caso merece ser posto a descansar um tempo e num lugar de paz.     Um dia, não sei porquê, faço uma confidência ao Maestro. Ach

"A ilha debaixo do mar", Isabel Allende (Edições Inapa)

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    É tão bom apaixonarmo-nos por um livro, e este foi uma paixão às primeiras páginas...     A história decorre quase toda no continente americano - São Domingo que depois se torna Haiti, Cuba, Louisiana, Boston - mas é assombrada pela história e tradições africanas e europeias.     Seguimos a vida da escrava Tété (Zarité), da relação com o amo Valmorain e da descendência comum, ao longo dos diferentes lugares onde se vão fixando, fugidos das sucessivas revoltas escravas e das retaliações francesas.     Ao longo da vida, Tété descobre que acabar com a escravatura não significa acabar com a discriminação e que em qualquer pessoa, independentemente da cor ou origem, se pode encontrar amor e compaixão ou, pelo contrário, raiva e desprezo pelos outros. Descobrimos com ela que se pode conciliar medicina ocidental com remédios feitos de ervas e magia negra, e o deus católico com práticas e crenças africanas e com o vodu.     Tété, Hortense, Rosette, Maurice, Sancho, Valmorain,

"A história de um casamento" Andrew Sean Greer (Civilização Editora)

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   A história que o livro conta é marcada logo pela frase com que se inicia a leitura:    Julgamos conhecer aqueles que amamos.   E quando concluímos a leitura percebemos que podemos nunca conhecer aquele que amamos mas podemos igualmente nunca nos dar a conhecer e vivermos a vida baseado no que achamos que sabemos. Três pessoas cruzam-se marcadas fortemente pelos preconceitos associados às respectivas condições (a cor e a orientação sexual) mas o preconceito mais forte é o silêncio ou a incapacidade de comunicar os desejos e as esperanças respectivas.

À Ana -16.02.2010

Segue o teu grande caminho! As Estrelas que encontrares São como Tu mesmo - Pois o que são as Estrelas senão Asteriscos Para sinalizar uma Vida humana? Emily Dickinson - Poemas e Cartas (Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida, tradução de Nuno Júdice)

Lisboa,verbo amar

     Há muitos anos atrás (20,25?) o Diário de Lisboa publicou várias pequenas histórias do Mário Castrim, sob o título comum "Lisboa, Verbo amar". Recortei-as e guardei-as - pelo menos uma parte delas -. A mestria da escrita, concisa, exacta e, simultaneamente, emotiva, surpreendia e contrastava com o restante conteúdo do jornal. Imaginá-las nas nossas ruas dava-lhes outro encanto.     Para quem não as leu, para quem as leu e já esqueceu e também para quem leu e tem saudades de reler, aqui vai uma: Tinha de fazer as pazes com a Gisela.Uma estupidez, tudo aquilo. Como é que ele pudera...Era forçoso pedir-lhe desculpa, as últimas palavras dela ocupam-lhe a memória toda:"Estou na pensão até às oito. Espero um telefonema. Senão, vou-me embora. E não te quero ver mais." Faltava um quarto de hora. Procuro uma cabina. Aquela ao pé da estátua do Camilo Castelo Branco. Ocupada. Espero. Coitado do Camilo, o capote pelos ombros, para não encarecer a mão-de-obra. Passara

Invictus

Poema original de William Ernest Henley, que dá nome ao último filme de Clint Eastwood, Invictus é um texto lindíssimo que, segundo se diz no filme, foi um dos suportes de Mandela durante os seus quase trinta anos de encarceramento para se manter sempre forte e de convicto dos seus objectivos e crenças. Disponibolizo aqui a versão original e a versão portuguesa que me parece ser a que aparece traduzida no filme. O ut of the night that covers me, Black as the Pit from pole to pole, I thank whatever gods may be For my unconquerable soul. In the fell clutch of circumstance I have not winced nor cried aloud. Under the bludgeonings of chance My head is bloody, but unbowed. Beyond this place of wrath and tears Looms but the Horror of the shade, And yet the menace of the years Finds and shall find me unafraid. It matters not how strait the gate, How charged with punishments the scroll I am the master of my fate:

Bright star (O poema que dá o nome ao filme de Jane Campion. A não perder)

Bright Star Bright star, would I were stedfast as thou art-- Not in lone splendour hung aloft the night And watching, with eternal lids apart, Like nature's patient, sleepless Eremite, The moving waters at their priestlike task Of pure ablution round earth's human shores, Or gazing on the new soft-fallen mask Of snow upon the mountains and the moors-- No--yet still stedfast, still unchangeable, Pillow'd upon my fair love's ripening breast, To feel for ever its soft fall and swell, Awake for ever in a sweet unrest, Still, still to hear her tender-taken breath, And so live ever--or else swoon to death. John Keats

Os três casamentos de Camilla S., Rosa Lobato de Faria (Edições ASA)

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   Estreei-me só agora na leitura da Rosa Lobato Faria com este livro editado em 1997 que é, de acordo com a nota de edição, o seu terceiro romance. É uma leitura fresca que atravessa o século XX pela voz de uma mulher.    EDITADO A 02/02/2010 - Por ocasião da morte da Rosa Lobato Faria - excerto do livro "Os três casamentos de Camilla S.":    Escrevo cada vez mais devagar, porque fico horas e horas absorta, a pensar tanto na vida como na morte. São partes do mesmo todo, julgo mesmo que a morte é uma espécie de recompensa pela missão cumprida, é espantoso como, à medida que envelhecemos, nos são dados os mecanismos de aceitação desse acontecimento inevitável. Não só nos conformamos, isso seria pouco, como nos damos conta de que começamos a amar a própria morte, a considerá-la bem-vinda e sobretudo a considerá-la boa e natural. Passamos a imaginar que, seja o que for que encontremos do lado de lá, será agradável,repousante, pacífico. (...)    E mesmo que a minh