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O que lemos em 2021

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     Olhando para o que lemos em 2021, percebemos que lemos sempre menos do que antecipamos ou desejamos. Também é curioso notar que nestas leituras, pouco organizadas, as razões para escolhermos o próximo livro que iremos ler são variadas: alguns são sugeridos por amigos ou por um filho (ainda que sob a forma de desafio e com mais de 700 páginas), outros são oferecidos, outros resultam de alterações na nossa vida (que melhor razão que ser mãe e começar a ler livros sobre crianças e livros para crianças?). O que nos recorda a ideia que já tivemos de começar também a escrever sobre livros infantis que lemos e relemos e adoramos.     Mas para além destas leituras desarrumadas, estabelecemos como objetivo no início deste ano ler mais livros escritos por autoras de língua portuguesa e com patine, sem as capas e contracapas cheias de apreciações de críticos mais ou menos conhecidos. E foi assim que lemos a tetralogia de Luísa Beltrão , Os Memoráveis , de Lídia Jorge,   A Morte da Mãe , de

Os Sobreviventes, Alex Schulman (Porto Editora)

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     Confesso que conheço poucos autores suecos. Para além dos clássicos, Strindberg e Selma Lagerlof, só conheço autores policiais. Gosto especialmente dos livros de Camilla Lackberg, que leio sobretudo no verão, porque preciso de tempo para poder ler sem interrupções. Não li, porque antes já tinha visto, a Trilogia Millenium, de Stieg Larson, cujas imagens me assombraram durante algum tempo.      Não sei se foi por isso que ao ler Os Sobreviventes senti que a influência dos livros policiais e de suspense tinha marcado demasiado a escrita deste romance. Logo no primeiro capítulo é dito:      « O que está a acontecer nestas escadas de pedra, onde os três irmãos estiveram a chorar com caras inchadas e ensanguentados, é apenas o último círculo na água, o círculo mais afastado do ponto onde a pedra se afundou ».     Este tipo de afirmações é recorrente, criando no leitor a dúvida e a expetativa sobre o que estará na origem da animosidade entre os irmãos. A estrutura de Sobreviventes ajud

La petite danseuse de quatorze ans, Camille Laurens (folio)

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    Durante muitos anos, no eixo que vai de Santos ao Largo do Rato, não havia qualquer livraria, com exceção da Livraria Parlamentar, situada na fachada lateral do Palácio de São Bento, contudo, a pouco e pouco este cenário foi-se alterando. Há cerca de dez anos abriu portas a livraria Palavra do Viajante , que vale a pena visitar e voltar. E visitar, sobretudo, antes de cada viagem, à procura de um guia ou de um livro em que o nosso próximo destino sirva de cenário. Não vendem livros on line porque apostam no contacto pessoal. Depois apareceu a Distopia , a Snob um pouco mais acima e, mais recentemente, a Stuff out dedicada à venda de livros em 2.ª mão.      Acho curioso este reaparecimento de livrarias independentes, com perfis distintos, geograficamente próximas e não muito distantes de outras livrarias, de maior dimensão, também inauguradas recentemente, situadas na Rua da Escola Politécnica. Reencontro o prazer das montras, da proximidade com o livreiro e também com o livro, l

Estranha Guerra de Uso Comum, Paulo Faria (Ítaca)

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   Ao contrário do que é habitual, ultimamente tenho lido vários livros em simultâneo, sobretudo sobre a guerra colonial, a que se têm somado artigos dispersos que encontro em jornais ou revistas. Quando comecei a ler este livro, Estranha Guerra de Uso Comum, não consegui parar, nem interromper para outras leituras. Por coincidência, depois de o ter lido, fui ouvir o Autor, Paulo Faria, falar sobre o livro no Teatro Municipal Joaquim Benite, no âmbito das conversas com o público, a propósito da encenação da peça “ Um gajo nunca mais é a mesma coisa ”.      Ao ouvi-lo tive a sensação oposta à que tinha tido enquanto lia o livro. No livro pareceu-me que ao procurar o pai tinha encontrado a guerra (“a guerra do pai que também era a dele” como refere na contracapa) enquanto que ao ouvi-lo senti que quando falava com os antigos camaradas de armas tinha, de alguma forma, encontrado o pai.      Um parêntese antes de falar sobre este livro, que é mais um sobre a morte do pai. Durante algum tem

Uma Paixão Simples, Annie Ernaux (Livros do Brasil)

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    De Annie Ernaux, li recentemente Os Anos de que gostei muito. Quando falava no livro ou na Autora apercebia-me que muitas pessoas a conheciam por este romance, Uma Paixão Simples, editado quase vinte anos antes e que foi reeditado no ano passado, provavelmente devido à sua adaptação ao cinema por Danielle Arbid.     Começo pelo título, pelo acrescento do adjetivo simples à palavra paixão, quando uma paixão nunca é - nunca pode ser - simples. A palavra paixão é definida em vários dicionários como um sentimento intenso, profundo, obsessivo, impulsivo ou desesperado. Nunca simples. Penso que com a escolha da palavra simples – tradução literal do título francês Passion simple – Annie Ernaux quis transmitir que se tratava de uma paixão apenas, com tudo o que uma paixão implica. Como ela – a narradora, que não conseguimos separar da Autora – escreve, quase a acabar:     « (…) Descobri do que podemos ser capazes, ou seja, de tudo. Desejos sublimes ou mortais, ausência de dignidade, cr

O Último Amante, Teresa Veiga (Tinta da China)

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    Mesmo antes de iniciar este blogue - já faz mais de 10 anos - que tenho o hábito de, mal acabo de ler um livro, tomar algumas notas, escrever as minhas impressões e roubar as frases que sublinhei à medida que o fui lendo. Tornou-se um hábito de forma que, em regra, não consigo começar a ler novo livro antes de o fazer, como se precisasse de resguardar a memória do que li e evitar que um e outro se cruzem e se baralhem personagens e enredos.     Mas nestes últimos dias tenho encadeado leituras umas nas outras, sem parar para escrever sobre cada livro que li, e de repente dei conta que ao lado dos livros para ler se têm acumulado os lidos mas não guardados, porque aguardam que me despeça como merecem, escrevendo as recordações que deles guardei.    Já li há algum tempo O Último Amante , que me foi oferecido por um amigo. Confesso que nunca tinha ouvido falar neste livro, nem sequer da Autora, Teresa Veiga. A nota biográfica que encontrei em vários sites surpreendeu-me, dado que, para

Prémio Camões 2021 atribuído à escritora moçambicana Paulina Chiziane

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     Paulina Chiziane nasceu em Moçambique, em 1955. Atualmente vive e trabalha na Zambézia. Publicou o seu primeiro romance, Balada de Amor ao Vento, em 1990, que é também o primeiro romance de uma mulher moçambicana. Neste blogue já falámos de dois livros de Paulina Chiziane:      O Sétimo Juramento e, mais recentemente, Niketche .     Em ambos, a mulher moçambicana tem um papel central, mas, mais importante, são livros que questionam, que contam, que ficcionam, que sonham. Caminham, como ela diz....       Vale a pena vê-la e ouvi-la .   

A Soma dos Dias, Isabel Allende (Difel)

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    Comecei a ler este livro antes do início das minhas férias, mas esqueci-me de o levar quando fui passar uns dias fora. Deu-me prazer reencontrá-lo, ainda com a página marcada onde tinha interrompido a leitura.      A escrita mais recente da Isabel Allende está muito longe dos livros inicias, eivados do designado realismo mágico que tanto me deslumbraram. Este é um livro autobiográfico, iniciado pouco depois da morte da sua filha Paula.    Conforme refere, manteve ao longo dos anos uma relação epistolar com a mãe que lhe permitiu conservar fresca a memória, contudo, é à filha Paula que escreve, como se falasse com ela, informando-a sobre o que aconteceu após a sua morte [« No dia 6 de dezembro cumpriu-se o primeiro aniversário da tua morte. Queria recordar-te bela, simples, contente, vestida de noiva ou a saltar à chuva em Toledo, com um guarda-chuva preto, mas de noite, nos meus pesadelos, assaltam-me as imagens mais trágicas: a tua cama de hospital, o ruído da máquina de respirar,

Quarentena - Uma História de Amor, José Gardeazabal (Companhia das Letras)

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    Começo por fazer uma confissão: como não posso continuar a acumular livros, compro alguns que quero muito ler, e que ofereço, pedindo depois que mos emprestem. Foi o caso deste. Comprei-o depois de ter lido a contracapa, ofereci-o a uma grande amiga que, depois de o ler, mo emprestou. Penso que é preferível a lê-los primeiro e oferecê-los depois, o que também já fiz, confesso .     A premissa de partida é fantástica:     « Um casal, decidido a separar-se e de malas feitas, é obrigado pelas autoridades de saúde a uma quarentena. (…) Uma história de amor em 40 dias.»     Como ambos confessam não estão apaixonados por outra pessoa, só não estão apaixonados um pelo outro. Se é difícil conviver dentro de quatro paredes durante dias seguidos, não imagino como será fazê-lo depois da decisão de separação (que presumo seja iminente e não eminente, como está logo no início). E mais difícil ainda será escrever sobre a situação que ou é de conflito aberto ou de silêncio e quase sempre de

Abdulrazak Gurnah, Prémio Nobel da Literatura 2021

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     Abdulrazak Gurnah, escritor tanzaniano, é o Prémio Nobel da Literatura 2021.     Antes dele, o Prémio Nobel da Literatura foi atribuído a Wole Soyinka (1986) escritor nigeriano, seguido dois anos depois pelo escritor egípcio, Naguib Mahfuz, e mais tarde pelos autores sul-africanos Nadine Gordimer (1991) e J. M. Coetzee (2003).    Nos últimos anos, tenho assistido ao anúncio do Prémio Nobel da Literatura com alguma perplexidade e sem ficar com vontade articular de conhecer a obra dos laureados. Neste caso aconteceu o contrário. Não conheço Abdulrazak Gurnah. Sei que tem apenas uma obra publicada entre nós e que se encontra esgotada. Espero que com a atribuição do Prémio, mais livros sejam traduzidos e publicados entre nós.        Só fica a vontade de ver um dia o Prémio Nobel da Literatura ser atribuído a um escritor africano de língua portuguesa. De acordo com o blogletras.com , Abdulrazak Gurnah é o quinto escritor do continente africano a ganhar o Prémio Nobel da Literatura des

Outrora e Outros Tempos, Olga Tokarczuk (Cavalo de Ferro)

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      Começo pelo fim: Outrora e Outros Tempos é um livro extraordinário.      Outrora, uma aldeia protegida por quatro arcanjos, situa-se na Polónia, mas poderia situa-se em qualquer país ou região da Europa central ou, como é dito a abrir o livro: Outrora é um lugar situado no centro do universo . Ao longo do século XX, três gerações de habitantes de Outrora assistem às duas Guerras Mundiais e à chegada dos exércitos alemão e russo à sua aldeia. Também são três as famílias que vamos acompanhando - as famílias de Genowefa, de Kloska e do Morgado Popielski. Como se se tratasse de um fresco humano em que cada uma destas famílias representa um segmento de uma sociedade, social e economicamente estratificada e fortemente marcada pela sua origem. Em Outrora, como em todas as terras,  há sempre um louco. Em Outrorao louco é Izydor, irmão de Misia, ambos filhos de Genowefa:     "- Sim, é possível que todas as famílias normais tenham de incluir uma espécie de válvula de descarga da no

Um Castelo em Ipanema, Martha Batalha (Porto Editora)

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      Li o primeiro livro desta Autora, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão , de que gostei muito. Vi, antes de ler o livro, o filme A Vida Invisível , realizado por Karim Aïnouz e que ganhou Prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes. O filme - que não segue exatamente o livro – é de uma enorme beleza e de uma grande tristeza. Nalguns aspetos a imagem consegue impressionar mais que a palavra.     Achei curioso o título do filme, que deixa cair o nome da protagonista, passando a falar apenas da vida invisível, ficando em aberto quem vive esta vida invisível. Mas o título podia ser no plural, As Vidas Invisíveis , porque na realidade não é apenas Eurídice que tem uma vida invisível, a sua irmã, a mãe, as outras mulheres, têm na sua maioria vidas invisíveis e, mais que isso, decididas pelos homens - o pai ou o marido. A ação decorre nos anos 50, no Brasil, mas podia ser em qualquer outro país. Talvez não por acaso, os pais de Eurídice são portugueses (« Seu Manuel enlouqueceu um pou

Uma Mulher Desnecessária, Rabih Alameddine (Porto Editora)

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    Sou leitora assídua da crónica do Miguel Esteves Cardoso no Público. Na crónica do passado dia 27 de agosto, com o título O que eu aprendi, escreve logo no início o seguinte:     « Aprendi que as mulheres são muito mais parecidas com os homens do que eu pensava - e eu sempre pensei que eram muito parecidas. »      Concordo plenamente com esta afirmação e, se dúvidas tivesse, teriam sido dissipadas depois da leitura do livro Uma Mulher Desnecessária. Este ano, decidi ler livros escritos por mulheres, não por considerar que há uma escrita feminina e uma escrita masculina ou que na sua essência homens e mulheres escrevem diferentemente ou sobre temas distintos, mas apenas para privilegiar escritoras mulheres na minha seleção de leituras, contornando a sua menor projeção por parte de editoras, críticos e leitores. Das escritoras que li, de várias nacionalidades e continentes, não encontrei um denominador comum naquilo que escrevem, a não ser o facto de, em regra, as suas história